AUTÓDROMO DE JACAREPAGUÁ FECHA AS PORTAS PARA DAR LUGAR A PRÉDIOS COMERCIAIS E RESIDENCIAIS
Suzane Carvalho
Fotos: Carlos Pereira e Suzane Carvalho
Palco de disputas emocionantes de corridas de Fórmula 1, Fórmula Indy, Motovelocidade, Stock Car, Fórmula Truck, e de tantos e tantos campeonatos brasileiros e regionais. Escola de formação de pilotos, engenheiros, preparadores e mecânicos. Centro de desenvolvimento e treinamento. Uma das melhores e mais seguras pistas de corrida que já existiu no mundo, fechou os portões hoje com a realização das últimas etapas dos Campeonatos Regionais de Marcas e Pilotos, Força Livre e Arrancada.
O começo da destruição começou da seguinte forma: o prefeito Luiz Paulo Conde, que assumiu a prefeitura em 1997 por indicação do ex-prefeito Cesar Maia, dava total apoio ao automobilismo através de seu Secretário de Esportes, José Moraes. Conde e César brigaram e se enfrentaram nas eleições de 2000. Entre brigas e disputas políticas, estavam os nomes de dois de nossos principais representantes do automobilismo, e que haviam sido homenageados dando nomes aos circuitos: o traçado misto se chamava Nelson Piquet e o circuito oval, Emerson Fittipaldi. Seus nomes acabaram por entrar também na briga política e o autódromo passou a ser um alvo pessoal de César Maia, que reassumiu a prefeitura em 2001. Um dos primeiros atos do recém-empossado Secretário de Esportes Ruy César, foi dar uma entrevista coletiva dentro do autódromo dizendo que iria transformar “aquilo” em um conjunto habitacional. Não, eu não escrevi errado: o Secretário de Esportes deu uma entrevista dentro do autódromo dizendo que iria transformar aquele espaço em um conjunto habitacional.
A partir daí a história foi longa e penosa para nós, amantes do automobilismo. O prefeito César Maia trancou os portões do autódromo durante 7 meses, não abrindo nem mesmo para que os comissários da FIA, Federação Internacional de Automobilismo, pudessem homologar a pista. Proibiu inclusive, que nós, pilotos e amantes do kartismo, terminássemos a pista que havíamos construído dentro do autódromo, com nossos próprios recursos. O plano foi mostrar que aquele espaço era improdutivo e oneroso para a prefeitura, que então já havia herdado o autódromo do Estado. A essa altura, o espaço já estava sendo vendido para construtoras, e a destruição do autódromo foi aprovada por unanimidade pelos vereadores.
A prefeitura então se comprometeu judicialmente a só destruir o Autódromo de Jacarepaguá quando uma nova praça do esporte a motor estivesse pronta. Mas o autódromo foi mutilado com o pretexto de se construir módulos de competições para os Jogos Pan-americanos de 2007 sem sequer ter uma área definida para a construção de outro. E fechou as portas sem sequer ter um projeto que viabilize a prática do esporte no estado.
O espaço onde o Autódromo de Jacarepaguá ficou por 47 anos, havia sido doado para o estado para a prática exclusiva do automobilismo. Deixou de ser. O local era uma imensa área de preservação ambiental e não podia ser destruído. Já foi. O bairro era Jacarepaguá. Para valorizar mais o local, mudou-se o nome para Barra da Tijuca, a verdadeira Zona Sul da cidade.
A beleza do circuito, do local, a proximidade da praia, e, principalmente, o traçado maravilhoso, técnico, rápido, gostoso de guiar em que praticamente todos os pontos da pista eram pontos de ultrapassagem, faziam com que as corridas se tornassem emocionantes e levassem muitos milhares de fãs a delirarem das arquibancadas de onde era possível ver toda a extensão da pista. Uma das coisas que tornava este circuito um dos mais belos do mundo, era o desenho de suas curvas, com contornos suaves, sem ângulos retos.
O que dói, é que não somos apenas “amantes” do automobilismo. Somos profissionais que geramos uma gama imensa de postos de trabalho para as mais variadas profissões. A quantidade de fornecedores para as montadoras de carros é apenas uma parte do contingente que é profissionalmente envolvido com automobilismo, que é hoje um negócio que gera muitos bilhões em mídia e publicidade.
Perderam não somente os pilotos e turistas que lotavam as arquibancadas do autódromo e também hotéis e restaurantes da cidade. Perderam os mecânicos, motociclistas, ciclistas, triatletas, policiais militares, taxistas, e motoristas comuns. Não existe mais o espaço onde treinavam e praticavam. Não há escola e muito menos local para os pilotos de motovelocidade.
A forma como nossa área nos foi tirada, foi covarde, sem despeito nem respeito. Uma piscina e uma casa de shows foram construídas em cima da pista. E toda uma comunidade ficou desempregada.
Djalma Neves, atual presidente da Federação de Automobilismo do Estado do Rio de Janeiro, diz que o que temos que fazer agora, é lutar para que um novo autódromo seja construído. ''Esta luta já dura mais de três anos e ele poderia já estar até pronto. Hoje poderíamos estar fazendo uma solenidade com o prefeito nos entregando a chave de nossa nova casa e a FAERJ entregando o autódromo antigo sem nenhum trauma.” Mas enquanto isso não acontece, o esporte a motor no estado do Rio de Janeiro ficará limitado a dois pequenos Kartódromos, em Guapimirim e Volta Redonda, e às corridas em circuitos abertos como as de Rally.
Edson Novaes, sócio fundador do Rio Motor Racing, clube que dava assistência para os pilotos na pista desde 1969, lamentou: “Estamos todos sem rumo. Meu clube tem profissionais treinados e equipamentos especiais para assistência e segurança dentro da pista. Trabalhamos em corridas regionais, nacionais e internacionais. E agora? O que fazer? O autódromo, o Célio de Barros e o De La Mare vão desaparecer. Não dá para entender. O que foi construído recentemente dentro do próprio autódromo como o Maria Lenk e o Velódromo já estão desativados, sem falar na Cidade da Música, aqui perto, que nem foi inaugurada. Até a Vila do Pan está afundando e ninguém quer comprar os apartamentos lá. Ou o dinheiro está sobrando ou a gente vai ficar em uma situação muito ruim depois dos Jogos Olímpicos.” Edinho, como é conhecido, disse que sugeriu a Cesar Maia que construísse os módulos para os Jogos Pan-americanos, na Ilha do Fundão, pois após os jogos, as instalações se tornariam um Centro Universitário e de estudo, inclusive para as comunidades do entorno, mas não foi ouvido.
Agora o caminho a ser tomado por equipes, mecânicos, pilotos, fornecedores, organizadores e até vendedores, será o de abandonar a cidade, a família e os amigos de infância para poder continuar a trabalhar. Como eu fiz. A cidade de São Paulo tem a Fórmula Indy e a Fórmula 1, que estão entre os eventos que mais levam turistas à cidade. O estado de São Paulo tem quatro autódromos e mais de 30 kartódromos.
Eu continuo a me perguntar como deixaram isso acontecer. De minha parte, lutei o quanto pude, fazendo manifestações em frente ao autódromo e em frente à prefeitura e falando diretamente com o ex-prefeito. Tentei mostrá-lo a importância de termos uma escola de formação de pilotos, onde se forma indivíduos e profissionais. Mas… quem sou eu? Apenas a única mulher no mundo a ter conquistado um título de Fórmula 3. Sou Campeã Carioca de Kart, Campeã Brasileira e Sul-americana de Fórmula 3, Campeã Argentina de Turismo e a única brasileira a ter participado de campeonatos na Europa. E carioca. Em Jacarepaguá ganhei corridas de Kart, de carros do tipo Turismo e de Fórmula 3. E lá, através de meu Centro de Treinamento, formei pilotos de competição e milhares de bons motoristas.
UM POUCO DE HISTÓRIA
A cidade do Rio de Janeiro utilizava circuitos de rua para as corridas de carros e motos. A área externa do Maracanã servia de pista para corridas de moto. O “Circuito da Gávea” recebeu a Fórmula 1 e as corridas regionais eram feitas na Barra da Tijuca. Para tirar as corridas das ruas e ajudar no desenvolvimento do esporte a motor e da indústria automobilística, foi doado o terreno onde até hoje funcionou o Autódromo de Jacarepaguá.
O antigo Autódromo Nova Caledônia, inaugurado em 1966, ficava em uma região pantanosa onde havia uma variedade imensa de fauna e flora. Foi reformado e reinaugurado em 1977 com o nome de Autódromo Internacional de Jacarepaguá. O maior e mais completo Kartódromo do país se encontrava no mesmo terreno. Uma bela pista de Motocross também fez parte do complexo. Uma segunda reforma modificou o trecho norte do circuito que foi rebatizado de Nelson Piquet, e a terceira reforma, já sob a ordenança de Cesar Maia, construiu o circuito oval para abrigar a Fórmula Indy e recebeu o nome de Emerson Fittipaldi. Não era uma construção, e sim uma destruição, pois foi neste momento que o Kartódromo foi soterrado pela Curva 1 do circuito oval, que teve erro de projeto e precisou ter sua reta alongada.
Com a desculpa de construir módulos para a realização do Pan-americano de atletismo, a prefeitura destruiu metade do circuito, deixando-o apenas com a parte sul. Com a desculpa de construir uma Vila Olímpica, destruirá todo o resto da pista.